Do Tambor ao Beat: A Jornada da DJ que Une a Percussão Afro-Brasileira ao Afro House e Faz História no Soho House São Paulo

DJ, percussionista e pesquisadora musical compartilha Grace Nunez sua jornada única, que une a rica tradição da percussão afro-brasileira à modernidade da música eletrônica, especialmente no Afro House. Ela reflete sobre como essas influências se entrelaçam em sua carreira artística, oferecendo uma experiência sonora autêntica e cativante. Além disso, fala sobre sua experiência como a primeira DJ residente no Soho House São Paulo, os desafios e recompensas dessa jornada, e como sua pesquisa musical e raízes culturais moldam seu trabalho.

FEATURE INTERVIEW: 

O que te atraiu para o Afrohouse e como você vê a importância de conectar a música eletrônica com as raízes africanas e brasileiras?

O Afro House me atraiu pela sua riqueza rítmica e pela forma como ele une ancestralidade e modernidade dentro da música eletrônica. Ele possui uma pulsação orgânica que remete às batidas do tambor, ao mesmo tempo em que apresenta texturas eletrônicas que conectam o passado ao presente. Foi como encontrar um espaço onde minhas raízes na percussão e na cultura afro-brasileira podiam se expandir para algo global, sem perder sua essência.

Conectar a música eletrônica com as raízes africanas e brasileiras é, para mim, uma maneira de preservar e reinventar tradições. O Afro House funciona como uma ponte que prova que essas culturas não são estáticas, mas vivas e em constante transformação. Quando trago para os meus sets elementos como tambores, cantos tradicionais ou ritmos como o samba de roda, sinto que estou apresentando essa herança a novos públicos e ajudando a manter essas histórias vivas.

Essa conexão é essencial também porque dá visibilidade a narrativas que muitas vezes foram silenciadas. É uma maneira de afirmar identidades, celebrar as contribuições das culturas africanas e afro-brasileiras para a música global e criar um diálogo que atravessa fronteiras.

Para mim, tocar Afro House vai além de criar um set dançante; é um ato de resistência, memória e celebração. É um canal poderoso de reconhecimento e pertencimento, tanto para mim quanto para o público. Quando integro elementos da cultura afro-brasileira ao eletrônico, sinto que estou criando um espaço onde as pessoas podem se conectar, se reconhecer e sentir a profundidade dessa herança, exatamente como aconteceu comigo.

Você é DJ, percussionista e pesquisadora musical. Como você equilibra essas diferentes facetas da sua carreira artística?

Para mim, ser DJ, percussionista e pesquisadora musical não são atividades separadas, mas partes de um mesmo caminho. Minha pesquisa musical é a base de tudo. É onde encontro referências, descubro histórias e compreendo os contextos que moldam os ritmos que toco, tudo se conecta através do ritmo, da cultura e da busca por novas sonoridades. A percussão me dá uma base rítmica forte e influencia diretamente minha forma de mixar e construir sets. Como DJ, eu canalizo tudo isso para criar experiências únicas, onde tradição e inovação se encontram. Equilibrar essas facetas é um processo natural, porque todas fazem parte da minha identidade artística. O equilíbrio vem de entender que cada uma dessas práticas alimenta a outra.

Quais são suas principais influências musicais, tanto na percussão quanto na DJ?

Minhas influências musicais vêm de diferentes universos, mas sempre giram em torno do ritmo, da ancestralidade e da conexão entre tradição e inovação.

Na percussão, sou profundamente inspirada por mestres da cultura popular brasileira, como Mestre Carlos Caçapava, com quem tenho a honra de trabalhar em projetos que unem música e dança, além de ícones como Naná Vasconcelos e Djalma Corrêa. Também busco referências nos toques do jongo e nos ritmos afro-brasileiros, que carregam uma força ancestral e um profundo senso de comunidade.

No universo da discotecagem, artistas como Black Coffee, Culoe De Song, Beka Episcopo, Da Capo, Black Motion, Osunlade, Silvano Del Gado, Francis Mercier, Curol, Mezomo e Tahira são grandes referências. Esses nomes traduzem com maestria a conexão entre a música eletrônica e as tradições africanas, algo que é essencial na minha construção como DJ.

Minha base é o Afro House, mas minhas influências vão além, incluindo o amapiano, deep house, organic house, progressive house e techno, e as batidas da música negra global. Também me inspiro na riqueza dos beats brasileiros, nos remixes criativos e nas experimentações que unem o eletrônico ao orgânico. Para mim, cada apresentação é um convite para entrelaçar raízes e modernidade, criando uma experiência sonora autêntica e cativante, misturando raízes e modernidade de forma autêntica e envolvente.

Residência no Soho House: Como foi a experiência de ser a primeira DJ residente no Soho House São Paulo? Quais foram os maiores desafios e as maiores recompensas?

Ser a primeira DJ residente no Soho House São Paulo foi uma experiência transformadora e repleta de aprendizados. Ter a oportunidade de construir uma identidade sonora para um público tão diverso e exigente foi ao mesmo tempo emocionante e desafiador.

Um dos maiores desafios foi encontrar o equilíbrio entre minha visão artística e a necessidade de criar uma atmosfera que estivesse alinhada com a energia do espaço e do público em cada noite. Era um exercício constante de sensibilidade, adaptando a música ao momento sem perder minha essência.

A maior recompensa, sem dúvida, foi sentir a conexão que a música criava. Receber feedbacks positivos, e saber que eu estava contribuindo para uma experiência autêntica dentro de um ambiente tão prestigiado foi muito gratificante. Além disso, essa residência abriu muitas portas na minha carreira, me permitindo expandir minha presença na cena musical e me conectar com pessoas inspiradoras de diferentes partes do mundo. Foi um marco importante que fortaleceu minha identidade como artista e meu propósito na música.

Como você descreveria a energia que você busca transmitir em suas performances? Qual é a importância da conexão com o público para você?

Busco transmitir uma energia pulsante, envolvente e cheia de história. Quero que cada set seja uma jornada, onde as pessoas sintam o ritmo no corpo e se conectem com a música de forma profunda. O toque do tambor é o mesmo que sentir a batida do seu coração pulsante, a percussão tem um papel essencial nisso trazendo um balanço orgânico que faz com que as pessoas se entreguem ao momento. Para mim, a conexão com o público é tudo. Observar as reações, sentir a troca de energia e guiar essa experiência musical em tempo real é o que torna cada apresentação única. Não se trata apenas de tocar músicas, mas de criar um espaço onde as pessoas possam se expressar, se libertar e se conectar umas com as outras através do som.

Música como cura: Você mencionou que a música é cura e conexão. Poderia nos explicar melhor essa afirmação e como a música te ajuda a se conectar consigo mesma e com os outros?

A música sempre foi uma forma de cura para mim. No segundo semestre de 2024, passei por problemas de saúde mental onde a música foi uma das formas que encontrei como processo de cura, Ela tem o poder de transformar estados emocionais, de resgatar memórias e de criar conexões que vão além das palavras. Quando estou tocando, sinto que a música fala por mim e traduz sentimentos que às vezes não consigo expressar de outra forma. Ela me ajuda a me conectar comigo mesma, porque me coloca no presente, no fluxo do som e da energia do momento. E essa conexão se expande para o público. Quando as pessoas dançam, fecham os olhos, sorriem, cantam junto, existe ali um encontro verdadeiro. A música nos une, cria pertencimento e faz com que cada um possa viver sua própria experiência de cura através do ritmo e da vibração.

Qual mensagem você gostaria de transmitir através da sua música?

Quero transmitir a mensagem de conexão, ancestralidade e liberdade. Minha música é um convite para as pessoas se entregarem ao ritmo, sentirem o corpo e se reconectarem com suas raízes, mesmo que inconscientemente. Acredito que a música tem um poder transformador, capaz de unir pessoas, contar histórias e resgatar memórias. Quero que quem me escuta sinta essa energia, essa mistura de tradição e inovação, e saia da experiência renovado, mais leve e mais conectado consigo mesmo e com os outros.

Quais são seus planos para o futuro da sua carreira musical? Quais são seus sonhos e objetivos?

Quero continuar aprofundando minha identidade musical, explorando novas sonoridades e mergulhando na produção das minhas próprias faixas. Um dos meus principais objetivos é lançar músicas autorais que traduzam minha essência e minhas influências, unindo a percussão orgânica com a música eletrônica de forma única e envolvente.

Um passo importante nessa jornada é o projeto “Tambor e Beat – Tradição em Movimento”, que estou desenvolvendo ao lado do Mestre Carlos Caçapava. Essa colaboração representa minha visão de conectar o tradicional ao contemporâneo: eu atuo como DJ, enquanto ele traz a força ancestral dos tambores ao vivo. Nosso objetivo é expandir essa fusão para novos públicos, criando uma experiência que dialogue com a diversidade cultural e sonora do mundo.

Além disso, sonho em levar minha arte para palcos internacionais, tocando em festivais e clubes onde o Afro House e as vertentes da House Music sejam valorizadas. Um grande sonho seria abrir um show do Black Coffee e colaborar com artistas que admiro profundamente, tanto no cenário eletrônico quanto na música afro-brasileira.

No final, meu maior objetivo é criar experiências sonoras que toquem as pessoas em um nível emocional e sensorial, sempre honrando minhas raízes e minha verdade artística. Quero que cada set, música ou projeto seja uma celebração da identidade, da ancestralidade e das infinitas possibilidades de conexão por meio da música.

Você tem algum ritual antes de uma apresentação?

Sim! Antes de uma apresentação, gosto de tirar um momento para me concentrar e me conectar com a energia do que está por vir. Respiro fundo, mentalizo uma intenção para o set, seja trazer alegria, conexão ou uma experiência marcante para quem estiver ali. Movimento o corpo para entrar no ritmo. E claro, sempre reviso minha seleção musical e sinto o ambiente antes de começar, porque cada espaço e cada público têm uma energia única.

Como você vê a cena musical brasileira atualmente e quais são os desafios e oportunidades para os Artistas?

A cena musical brasileira está em um momento muito rico e diverso. Temos artistas incríveis inovando e resgatando sonoridades tradicionais, misturando o eletrônico com influências brasileiras e latinas. Vejo um crescimento do Afrohouse e de gêneros que valorizam a percussão e a ancestralidade, o que me deixa muito animada.

Os desafios ainda são grandes, principalmente em relação ao reconhecimento e valorização do trabalho artístico. Muitos espaços ainda priorizam fórmulas comerciais e pouco experimentam novas propostas musicais. Além disso, a estrutura da indústria nem sempre favorece artistas independentes, exigindo que sejamos multifacetados e nos posicionemos estrategicamente.

Por outro lado, a internet e as plataformas digitais abriram muitas oportunidades. Hoje, conseguimos alcançar públicos diversos, lançar músicas de forma independente e criar nossas próprias cenas. O desafio é saber equilibrar essa autonomia com o acesso a espaços que fortaleçam nossa arte. Acredito que, quanto mais nos conectamos e fortalecemos redes colaborativas, mais conseguimos transformar a cena e ocupar novos territórios.

A dança faz parte da sua vida artística. Como você vê a relação entre a música e a dança?

Vejo a música e a dança como expressões inseparáveis, especialmente dentro das culturas africanas e brasileiras, que são a base do meu trabalho. A música desperta o movimento, enquanto a dança dá corpo ao som, criando uma conexão profunda entre quem toca, quem dança e quem observa.

Nos grupos Flores do Mulungu, onde danço, e Dança das Mãos, onde toco percussão, percebo como a música pulsa no corpo antes mesmo do primeiro passo ser dado. A dança se torna uma forma de traduzir a música em presença, história e celebração. Quando estou tocando, seja como DJ ou percussionista, sinto como os ritmos influenciam o corpo das pessoas, conduzindo energia, emoções e até memórias.

Para mim, cada set ou apresentação é uma experiência sensorial completa, que vai além de simplesmente ouvir. É sobre sentir, se conectar e se permitir ser guiado pelo som, pelo momento e pelo fluxo das emoções. A dança é uma ponte que conecta a música ao espaço e às pessoas, transformando cada apresentação em um encontro autêntico e coletivo.

Mais do que isso, a dança é a forma mais visceral de sentir e compartilhar a música. Ela celebra quem somos, nos conecta às nossas raízes e cria momentos de pertencimento, memória e transformação. É impossível separar a música da dança na minha vida artística, pois juntas, elas contam histórias que palavras não alcançam.

Qual é sua inspiração de estilo na moda? Você tem uma pessoa que te influencia no seu estilo?

Vejo a moda como um reflexo do meu estado de espírito, algo que muda conforme a energia que estou vivendo. Em 2023, por exemplo, estive muito conectada a cores vibrantes como amarelo, laranja e vermelho, mas hoje minha vibe está mais voltada para tons suaves e naturais, como pastéis, branco, off-white e terrosos.

Meu foco está em roupas confortáveis, com tecidos leves e fluidos, que me permitam movimentar e expressar minha arte com liberdade. Acessórios são uma parte essencial do meu estilo — gosto de colares e brincos que se destacam, especialmente por conta do meu cabelo, além de anéis que trazem um toque especial à composição.

Embora eu não tenha uma única pessoa como referência, me inspiro em artistas e figuras que conseguem misturar tradição e contemporaneidade, traduzindo autenticidade e identidade em suas escolhas. Para mim, moda, assim como música, é uma forma de expressão e comunicação. Ela é uma extensão da minha identidade artística, uma maneira de me conectar com o público antes mesmo de subir ao palco ou tocar. Minhas escolhas refletem minha busca por harmonia entre raízes, modernidade e a autenticidade de ser quem sou.

Upcoming Releases & Projects

  • “Eu Não Ando Só, Não Mexe Comigo” – Afro House track, set to be released in May 2025.

  • “Tambor e Beat – Tradição em Movimento” – A project in collaboration with Mestre Carlos Caçapava, launching in August 2025. It merges DJing with live percussion to create a fusion of electronic and traditional rhythms.

TEAM CREDITS: 

Editor-in-Chief: Prince Chenoa

Feature Editor: Taylor Winter Wilson (@taylorwinter)

Writer: Frida Garcia D’Adda (@fridadda_)

Photographer: Mathaus Woerle (@mathauswoerle)

Makeup Artist: Terena Cesco (@tecesco)

Wardrobe: Kibele Capel (@kibelecapel)

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